Brasil vai realizar primeira missão científica à Antártica com zero carbono

Pela primeira vez, uma missão científica brasileira à Antártica foi planejada para neutralizar todas as emissões de carbono. A iniciativa tem como objetivo calcular e compensar o impacto ambiental da expedição, do transporte ao descarte de resíduos. A ideia é reduzir ao máximo os danos e compensar o que não puder ser evitado.

O projeto é liderado por Heitor Evangelista da Silva, professor no departamento de biofísica e biometria da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador científico do laboratório Criosfera 1, localizado no interior da Antártica. Ele explicou ao site The Conversation que a missão terá um mapeamento completo das emissões, além de ações práticas para minimizar os danos à natureza.

O estudo da equipe sobre os impactos da atividade humana na Antártica foi publicado na revista científica Science no ano passado. A pesquisa revelou que poluentes como a fuligem (carbono negro) e os microplásticos estão se depositando sobre o gelo, acelerando o derretimento. Esses resíduos vêm tanto do turismo quanto de atividades científicas na região.

Pesquisadores brasileiros em frente ao laboratório Criosfera 1, na Antártica. Crédito: Heitor Evangelista da Silva.

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Mudanças climáticas na Antártica impactam todo o globo

Essas alterações no clima da Antártica afetam todo o planeta. O continente gelado e o Oceano Austral influenciam as correntes marítimas, os ventos e a temperatura global. Por isso, o pesquisador destaca a importância de usar os melhores dados possíveis para ajudar governos a tomarem decisões ambientais mais eficazes.

Segundo Silva, a missão está prevista para o fim de 2025 ou início de 2026. Além dele, outros três pesquisadores brasileiros vão até o laboratório Criosfera 1. Os gases poluentes gerados pela viagem serão medidos em dióxido de carbono (CO₂) equivalente, um padrão internacional usado para comparar o impacto de diferentes gases no aquecimento global.

“Nosso cálculo considerou o consumo de combustíveis fósseis em todas as etapas e emissões indiretas, como o uso de energia nas acomodações, o impacto das estadias temporárias nos acampamentos logísticos e a geração de resíduos sólidos, além de outras fontes associadas à presença humana em ambientes extremos”, explica Silva.

Alterações no clima da Antártica afetam todo o planeta. Crédito: TitoOnz – Shutterstock

A maior parte da poluição virá da logística: voos comerciais e cargueiros, navio polar da Marinha e o uso de trator de neve. Já no laboratório Criosfera 1, os cientistas não usam combustíveis fósseis. Toda a energia vem de fontes renováveis, como o sol e o vento.

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A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ajudou a calcular as emissões, estimadas em 9 toneladas de CO₂ equivalente. Com apoio da empresa Ambipar, a missão conseguiu uma certificação internacional como “Carbon Free” (zero carbono). Os cálculos seguiram padrões globais do Protocolo GHG, ferramenta usada para medir emissões em diferentes áreas.

Para compensar esse impacto, a equipe já começou a planejar o reflorestamento de áreas da Mata Atlântica no estado do Rio de Janeiro. Serão plantadas 200 árvores nativas em parceria com a Reserva Ecológica de Guapiaçu (REGUA), com ajuda de estudantes e moradores locais.

Silva explica que esse tipo de compensação é chamado de “captura equivalente de carbono”. A meta é neutralizar o que for inevitável. A ação segue planos internacionais do Acordo da Antártica e do Conselho Estadual do Meio Ambiente, além dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), em especial o ODS 13, voltado à ação climática.

Diversas instituições do Brasil estão envolvidas no projeto

Desenvolvido após 30 anos de estudos, o laboratório Criosfera 1 foi instalado na Antártica em 2011, fruto de uma parceria entre o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Fica a 600 km do Polo Sul e 2.500 km da estação Comandante Ferraz, sendo o ponto de pesquisa mais remoto do Brasil.

No local, são monitorados dados como CO₂, partículas de fuligem, ozônio, radiação solar e acumulação de neve. Tudo funciona de forma autônoma, mesmo durante o inverno, quando a temperatura pode chegar a -55°C e o Sol desaparece por até seis meses. A energia vem de painéis solares e geradores eólicos.

Segundo Silva, a estrutura foi desenhada pela UERJ e construída na Suécia. Os dados são enviados por satélite e processados por cientistas da UERJ e do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), sendo disponibilizados quase em tempo real para pesquisadores de todo o Brasil.

Laboratório Criosfera 1 sendo colocado no avião para transporte até a Antártica, em 2011. Crédito: Captura de tela / Documentário Criosfera 1

Também participam instituições como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Juntas, essas entidades formam o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera, que pesquisa as mudanças climáticas nas regiões polares.

A proposta de neutralizar o impacto ambiental dessas missões é um marco para a ciência brasileira, mostrando que é possível unir pesquisa de ponta com responsabilidade ambiental, mesmo nos lugares mais extremos do planeta. “Em um momento de transformações rápidas e impactos crescentes nos ecossistemas polares – com efeitos que ultrapassam fronteiras –, essa iniciativa reafirma o compromisso com a sustentabilidade e mostra que é possível integrar conhecimento, inovação e responsabilidade ambiental na produção científica”, conclui Silva.

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