Buraco negro gigantesco acorda ‘esfomeado’ após ‘soneca’ de décadas

Um artigo publicado nesta sexta-feira (11) na revista Nature Astronomy relata a detecção de um fenômeno cósmico inusitado: um buraco negro supermassivo “acordou esfomeado” após décadas adormecido. 

Localizado no centro de uma galáxia comum chamada SDSS1335+0728, a cerca de 300 milhões de anos-luz da Terra, ele começou a emitir luz intensa e flashes de raios-X – comportamento típico de um buraco negro em atividade.

Em poucas palavras:

  • Astrônomos observaram que um buraco negro chamado Ansky voltou a emitir sinais após décadas inativo;
  • Esse titã cósmico está no centro de uma galáxia comum, que fica a cerca de 300 milhões de anos-luz da Terra;
  • O buraco negro começou a brilhar e liberar rajadas de raios-X – sinal de que voltou a “se alimentar” de matéria;
  • Em 2024, cientistas detectaram explosões periódicas vindas dele, conhecidas como QPEs;
  • Essas explosões são raras, intensas e ainda pouco compreendidas pela ciência;
  • Uma possível causa seria um objeto pequeno cruzando repetidamente o disco de matéria ao redor do buraco negro;
  • Observar Ansky em tempo real pode ajudar a entender esses fenômenos e até sua relação com ondas gravitacionais.
Concepção artística de um buraco negro de massa estelar. Crédito: Agência Espacial Europeia, NASA e Felix Mirabel (Comissão Francesa de Energia Atômica e Instituto de Astronomia e Física Espacial/Conicet da Argentina)

Buracos negros permanecem longos períodos em “hibernação”

Embora se saiba que a maioria das galáxias abriga buracos negros gigantescos em seus centros, eles nem sempre estão “devorando” matéria. Muitas vezes, passam longos períodos inativos, como se estivessem em “hibernação”. Só se tornam visíveis quando voltam a atrair gás e poeira em sua direção, liberando energia em forma de radiação.

Esse é o caso do buraco negro apelidado de Ansky, localizado na constelação de Virgem. Por décadas, ele permaneceu praticamente invisível. No entanto, no fim de 2019, a galáxia onde ele se encontra começou a brilhar inesperadamente, chamando a atenção de astrônomos ao redor do mundo.

Cientistas passaram a observar a galáxia com diferentes telescópios espaciais, como o Swift, da NASA, e o russo-alemão eROSITA, que detecta raios-X. Na época, não encontraram evidências claras de que o buraco negro estivesse ativo. Só anos depois, em fevereiro de 2024, o cenário mudou radicalmente.

Foi quando uma equipe liderada por Lorena Hernández-García, da Universidade de Valparaíso, no Chile, detectou explosões de raios-X vindas de Ansky. As erupções eram periódicas, ocorrendo em intervalos quase regulares. Esse padrão foi identificado como um fenômeno raro chamado erupção quasiperiódica (QPE, na sigla em inglês).

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Pesquisadores estavam diante de uma oportunidade única

As QPEs são breves explosões de raios-X que surgem e desaparecem em questão de horas ou dias. Esse fenômeno foi observado pela primeira vez em 2019 e ainda é mal compreendido. Até hoje, os astrônomos conseguiram detectar apenas alguns casos semelhantes. Ver isso ocorrer em tempo real é considerado uma oportunidade única.

No artigo, a equipe descreve essas erupções como as mais longas e brilhantes já registradas. Segundo os pesquisadores, cada rajada de Ansky libera até cem vezes mais energia do que as observadas em outros buracos negros que apresentaram QPEs no passado.

“É a primeira vez que vemos esse tipo de evento em um buraco negro que parece estar despertando”, afirma Hernández-García em um comunicado. Ela explica que, ao contrário do que muitos imaginam, buracos negros podem passar longos períodos em silêncio, até que algum fator externo provoque sua reativação.

Uma das explicações mais aceitas para as QPEs envolve a presença de um disco de acreção – uma espécie de “anel” de matéria que gira ao redor do buraco negro. Esse disco é formado por gás, poeira ou até restos de estrelas que foram puxados pela gravidade extrema. Ao girar rapidamente, esse material aquece e emite radiação.

Um “cisco” pode ter despertado o monstro cósmico adormecido

Em alguns casos, acredita-se que objetos menores, como estrelas ou pequenos buracos negros, interajam com esse disco e provoquem instabilidades que resultam nas explosões de raios-X. No entanto, não há evidência de que Ansky tenha destruído uma estrela recentemente, o que levanta outras possibilidades.

Uma hipótese é que o disco de Ansky esteja sendo alimentado apenas por gás do ambiente ao redor. Nesse cenário, as explosões poderiam ser causadas por um pequeno objeto (talvez um planeta ou estrela anã) que cruza repetidamente o disco, provocando choques violentos no material em rotação.

Joheen Chakraborty, estudante de doutorado do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e coautor do estudo, afirma que as explosões de Ansky duram dez vezes mais e são dez vezes mais luminosas do que as das QPEs típicas. Isso desafia os modelos atuais que tentam explicar como esses flashes de raios-X são produzidos.

“Cada rajada de Ansky está nos forçando a repensar tudo o que sabíamos sobre esse tipo de evento. A cadência de 4,5 dias entre uma explosão e outra também é a mais longa já registrada. É como se o buraco negro tivesse acordado com apetite e estivesse nos mostrando um novo comportamento”, diz Chakraborty.

Para os astrônomos, acompanhar essa transformação em tempo real é uma chance de ouro. Eles esperam que as observações de Ansky ajudem a entender melhor a evolução dos buracos negros e as forças envolvidas nos eventos mais energéticos do Universo.

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Ilustração mostrando dois buracos negros se fundindo e criando ondulações no tecido do espaço-tempo. Crédito: ESA

Erwan Quintin, astrônomo da Agência Espacial Europeia (ESA), ressalta que ainda há mais perguntas do que respostas. “Temos muitas teorias sobre as causas das QPEs, mas poucos dados. Ansky está nos oferecendo uma nova peça do quebra-cabeça e pode até estar relacionado à emissão de ondas gravitacionais”.

Essas ondas são distorções no tecido do espaço-tempo, causadas por eventos extremamente violentos, como colisões de buracos negros. A futura missão “Antena Espacial por Interferômetro Laser” (LISA), da ESA, poderá detectar essas ondas – e talvez identificar uma conexão com fenômenos como os de Ansky.

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