Buracos negros podem ser usados como fontes de energia?

Buracos negros são regiões do espaço com gravidade tão intensa que nem a luz consegue escapar. Eles são cercados por uma fronteira invisível, chamada horizonte de eventos, que impede qualquer observação direta do que ocorre em seu interior. Lá dentro, as leis da física conhecidas simplesmente deixam de funcionar. Apesar de invisíveis, esses objetos cósmicos são capazes de gerar os fenômenos mais energéticos do Universo.

Em poucas palavras:

  • Buracos negros são regiões do espaço com gravidade extrema, de onde nem a luz consegue escapar;
  • Um estudo recente propõe aproveitar a energia da rotação desses titãs cósmicos;
  • Quasares e microquasares já mostram que essa energia pode ser liberada em forma de radiação e jatos;
  • A técnica sugerida envolve lançar partículas contra o giro do buraco negro para extrair energia;
  • Embora não haja tecnologia para realizá-la hoje, a ideia inspira a ciência.
Representação artística de um buraco negro ativo lançando poderosos jatos de radiação. Crédito: ESO/L. Calçada

Físicos avaliam há décadas como aproveitar a energia dos buracos negros

Um novo estudo disponível no repositório online arXiv, ainda à espera de revisão por pares, discute a possibilidade de extrair energia de buracos negros rotativos. O trabalho é assinado por Jorge Pinochet, físico da Universidade Metropolitana de Ciências da Educação, no Chile. Embora pareça ficção científica, a ideia se baseia em teorias desenvolvidas desde os anos 1960 por cientistas renomados, como Roger Penrose, ganhador do Prêmio Nobel em 2020.

A proposta é ousada: aproveitar a energia cinética que faz o buraco negro girar, uma força imensa que surge quando matéria em rotação é atraída para dentro desse abismo cósmico. Buracos negros rotativos – conhecidos como buracos negros de Kerr – são diferentes de outros corpos que também giram, como planetas ou estrelas, porque podem atingir velocidades próximas à da luz, sem fragmentar.

Essa rotação gera um efeito chamado “arrasto de quadros”, previsto por Albert Einstein e mais tarde detalhado pelos físicos Josef Lense e Hans Thirring. Nessa condição extrema, o próprio espaço ao redor do buraco negro é arrastado com ele. Isso significa que qualquer objeto nas redondezas também será puxado, participando da rotação mesmo sem querer.

Segundo Pinochet, essa rotação intensa gera energia cinética, que pode ser transmitida aos objetos ao redor do buraco negro. É o mesmo tipo de energia associada ao movimento, que aprendemos na escola. A questão é: como a natureza aproveita essa energia? A resposta está nos quasares, buracos negros supermassivos com discos de matéria girando ao seu redor.

Esses discos de gás e poeira (denominados discos de acreção) aquecem até milhões de graus devido ao atrito entre suas camadas. O resultado é uma intensa emissão de radiação. Parte desse material cai no buraco negro, mas outra parte é lançada para o espaço em jatos de altíssima velocidade, chamados jatos relativísticos, que saem dos polos do buraco negro.

Esse mesmo mecanismo é visto em menor escala nos microquasares, que envolvem buracos negros com massa de 10 a 100 vezes a do Sol. O processo de ejeção de matéria, nesse caso, também depende da energia rotacional do buraco negro, canalizada por campos magnéticos poderosos. 

A energia que alimenta esses fenômenos colossais é finita. À medida que transfere energia para o ambiente, o buraco negro rotativo perde velocidade. Quando para de girar, transforma-se em um buraco negro estático, conhecido como buraco negro de Schwarzschild. Esse tipo é descrito apenas por sua massa, diferentemente dos buracos negros de Kerr, que também têm rotação.

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Ideia está na captação da radiação emitida

Mas, e se pudéssemos fazer o mesmo que a natureza e construir “baterias de buracos negros”? Em teoria, seria possível – mas estamos longe disso na prática. Em entrevista ao site Space.com, Pinochet diz que a forma mais simples de aproveitar a energia seria captar a radiação emitida, como fazemos com a luz solar. Isso, no entanto, não extrai diretamente a energia rotacional do buraco negro.

Para isso, seria necessário usar um método proposto por Penrose em 1969. Ele sugeriu que se lançássemos uma partícula contra o sentido de rotação de um buraco negro, parte dessa partícula poderia retornar com mais energia do que tinha originalmente. O excesso de energia viria da rotação do buraco negro, que giraria um pouco mais devagar depois disso.

microquasar
Representação artística de um microquasar – buraco negro com massa de 10 a 100 vezes a do Sol. Crédito: NASA

Pinochet compara essa ideia a um carrossel girando por inércia. Se alguém joga uma bola contra ele, a bola pode quicar com mais velocidade do que tinha antes, roubando um pouco da energia rotacional do brinquedo. A analogia é simples, mas ajuda a entender como se poderia extrair energia cinética do buraco negro, sem cair dentro dele.

No entanto, há um obstáculo prático gigantesco para essa teoria: não temos como fazer isso com a tecnologia atual. Segundo a escala de Kardashev, que mede o nível tecnológico de uma civilização, ainda estamos no nível 0,7. Para lidar com a energia de um microquasar, precisaríamos ser uma civilização Tipo II. Para mexer com quasares, precisaríamos ser Tipo III – algo absolutamente fora da nossa realidade atual.

Outro problema é a distância. O buraco negro mais próximo de nós, chamado Gaia BH1, está a cerca de 1.560 anos-luz da Terra. Já o buraco negro supermassivo mais próximo é Sagitário A*, localizado no centro da Via Láctea, a 26 mil anos-luz. Ou seja, mesmo viajando a uma fração da velocidade da luz, essas viagens durariam milhares de anos.

De qualquer modo, pensar sobre essas possibilidades não é perda de tempo. Para Pinochet, esse tipo de especulação estimula a criatividade e o raciocínio científico. “Estudar buracos negros instiga a humildade e o fascínio diante do Universo. É esse tipo de curiosidade que forma os cientistas do futuro”.

Por enquanto, a ideia de aproveitar a energia de um buraco negro continua no campo da teoria. Mas ela serve como uma poderosa ferramenta educacional e um convite para refletirmos sobre o que é possível no futuro. Pinochet já planeja novas investigações nessa linha, incluindo o trabalho de Stephen Hawking, um dos maiores nomes da física moderna.

“Um artigo será publicado em breve na revista The Physics Teacher no qual apresento uma derivação matemática elementar da maior descoberta de Hawking, que o gênio britânico resumiu dizendo: ‘os buracos negros não são tão negros’. O que ele descobriu é que os buracos negros têm uma temperatura que depende inversamente de sua massa”, disse Pinochet. “Quanto maior a massa, menor a temperatura, o que significa que esses objetos emitem radiação e, com o tempo, evaporam”.

Segundo Pinochet, em última análise, a motivação central de seu trabalho é “trazer os principais temas da física contemporânea para o público mais amplo possível”.

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