Um grupo de especialistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) elaborou documento com quase 30 mudanças na regulamentação vigente sobre o uso medicinal da cannabis no Brasil. O material será enviado nas próximas semanas à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como resposta à consulta pública aberta pela agência.
Entre as principais propostas estão:
- Inclusão da definição da cannabis como produto magistral (manipulado);
- Ampliação do número de categorias profissionais autorizadas a prescrever a medicação, que, hoje, é prerrogativa exclusiva de médicos;
- Expansão da possibilidade de manipulação de canabinoides para além do CBD (canabidiol);
- Elevação do limite máximo de THC (tetrahidrocanabinol) em prescrições com receita especial de 0,2% para 0,3%.
O THC, responsável pelos efeitos psicoativos da planta, atualmente, só pode superar 0,2% em produtos destinados a pacientes em cuidados paliativos exclusivos ou em situações clínicas irreversíveis ou terminais. O documento defende o aumento na dosagem e a ampliação do universo de pacientes para o qual o medicamento pode ser ministrado.
Ideia é expandir o uso de cannabis medicinal
O encontro que originou as propostas foi realizado em 8 de maio, na Unicamp, e reuniu cientistas, pesquisadores, profissionais de saúde, representantes de associações de pacientes, cuidadores, advogados e membros da sociedade civil. A iniciativa foi promovida em parceria com o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP).
“A primeira coisa que é preciso dizer é que o THC é super demonizado”, declarou a professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp, Priscila Mazzola, uma das organizadoras do evento, ao Jornal da Unicamp.
“Ainda existe um mito em torno do THC. É quase como se houvesse uma molécula boa, que é o CBD, e uma molécula má, que é o THC. Mas sabemos que o THC tem muito potencial terapêutico também. Há casos em que a prescrição do THC ou de uma terapia combinada seria o ideal”, afirmou.
No documento, o grupo também manifesta apoio à proposta da Anvisa de regulamentar definitivamente a manipulação de preparações magistrais contendo canabidiol (CBD).
Atualmente, algumas farmácias só atuam mediante autorizações provisórias obtidas por via judicial. A regulamentação definitiva, segundo os especialistas, é essencial para ampliar o acesso, reduzir custos para os pacientes e permitir maior personalização do tratamento.
Sobre a prescrição, os especialistas sugerem, por exemplo, incluir cirurgiões-dentistas, que também trabalham com dor e inflamação, entre os profissionais habilitados. O grupo espera que, a depender do enquadramento dos medicamentos, possa ser aconselhável expandir a prerrogativa também para outros profissionais.
A ampliação da manipulação de canabinoides vai além do CBD e do THC. “Há CBG, CBN e uma lista enorme de canabinoides na planta, com potencial terapêutico, que devem ser estudados. Na verdade, eles estão sendo pesquisados no Brasil e em outros países exatamente porque possuem funções terapêuticas importantes”, argumenta a professora. Ela lembra ainda que a planta “contém terpenos, flavonoides, uma série de compostos que também têm potencial terapêutico importante”.
Os especialistas debateram também a inclusão de derivados de cannabis em suplementos alimentares e cosméticos, o papel das ações judiciais e das associações de pacientes no acesso aos produtos e sugeriram investigar combinações de canabinoides com substâncias sintéticas já aprovadas. Caso estudos comprovem eficácia e segurança, essas evidências poderiam embasar futuras alterações regulatórias.
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Hoje, no Brasil, o acesso a medicamentos à base de cannabis ocorre de quatro formas, todas com prescrição médica:
- Autocultivo, que exige curso, certificação e medida judicial (habeas corpus);
- Importação, via sistema consolidado da Anvisa;
- Compra em drogarias com registros oficiais;
- Cultivo associativo, no qual associações de pacientes obtêm, via judicial, o direito de cultivar e distribuir a própria produção.
Segundo o “Anuário da Cannabis Medicinal no Brasil 2024”, divulgado em novembro de 2024 pela Kaya Mind, o País conta com 672 mil pacientes em tratamento à base de cannabis.

A seguir, veja dez mudanças pedidas pelos especialistas à Anvisa:
- Inclusão da definição de produto magistral de cannabis;
- Alteração das restrições sobre uso de substâncias sintéticas e semissintéticas;
- Ampliação das vias de administração permitidas;
- Exclusão da proibição a formulações de liberação modificada, nanotecnológicas e peguilhadas;
- Ampliação dos profissionais prescritores autorizados;
- Alteração do limite de THC de 0,2% para 0,3% em prescrições com receita especial;
- Substituição da Notificação de Receita “A” por “B” para produtos com mais de 0,3% de THC;
- Inclusão de dispositivo sobre dispensação por associações;
- Ampliação da possibilidade de manipulação de canabinoides além do CBD;
- Discussão sobre regulamentação de cannabis como suplemento e cosmético.
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