Associações representativas da imprensa estão cobrando mais rigor do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) na apuração de possíveis abusos cometidos pelo Google no uso de conteúdos jornalísticos. O caso está em análise desde 2018, foi arquivado em 2024 e reaberto em abril de 2025, com julgamento marcado para a próxima sessão do Tribunal Administrativo do Cade, no dia 28.
O inquérito investiga se o Google abusou de sua posição dominante ao exibir trechos de notícias produzidas por veículos jornalísticos em plataformas como a busca do Google e o Google News sem a devida compensação financeira. A prática de “scraping” — quando trechos de textos são copiados automaticamente — tem sido apontada por entidades como um fator que limita o tráfego direto aos sites de notícias e impacta a distribuição de receitas de publicidade digital.
Preocupações com transparência e concorrência
- Entidades como Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Associação Nacional de Jornais (ANJ), Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), Associação de Jornalismo Digital (Ajor) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) defendem que o Cade transforme o inquérito em processo formal.
- Segundo elas, isso permitiria acesso mais amplo a dados e uma apuração aprofundada sobre o impacto do comportamento do Google no ecossistema jornalístico.
- “É preciso produzir mais informações sobre os impactos das ferramentas de busca e, principalmente, de um mecanismo que tem o monopólio global desse serviço, como é o caso do Google, na imprensa brasileira”, afirma Bia Barbosa, coordenadora de incidência da RSF para a América Latina.
- Ela também criticou a “baixa transparência” das plataformas e a dificuldade de acesso a dados que comprovem ou não condutas anticoncorrenciais.
Disputa por atenção e publicidade
Outro ponto destacado pelas associações é a forma como o Google atua no mercado publicitário. Apesar de a empresa afirmar que não exibe anúncios junto a resultados noticiosos, entidades como a RSF afirmam que há, sim, conteúdo patrocinado e que o Google compete diretamente com os veículos de imprensa pela atenção do público.
“O Google disputa o mercado publicitário não apenas com o Search, mas com serviços como o AdSense, que coleta dados dos usuários e segmenta anúncios de forma eficiente”, explica Bia Barbosa. Segundo ela, isso representa uma concorrência desleal com sites jornalísticos que dependem desse mesmo mercado para sobreviver.

Papel da inteligência artificial
A ascensão da inteligência artificial (IA) também entrou no debate. As entidades defendem que o uso da IA nos mecanismos de busca intensifica a retenção de tráfego por parte do Google, dificultando ainda mais o acesso direto aos veículos de mídia. Para Marcelo Rech, presidente-executivo da ANJ, esse é um momento-chave para que o Brasil siga na vanguarda da regulação de práticas anticompetitivas.
“O Cade deve ampliar o exame do processo, especialmente agora, quando organismos antitruste no mundo todo estão analisando o impacto das plataformas”, reforça Rech. Bia Barbosa complementa: “A forma como a IA responde às perguntas dos usuários mostra claramente que há retenção de tráfego que poderia ser direcionado aos veículos de comunicação”.
Reação internacional e precedentes
Casos semelhantes têm sido observados fora do Brasil. Nos Estados Unidos, o Departamento de Justiça propôs que o Google se desfaça de plataformas de publicidade como AdX e DFP, após decisão judicial que identificou monopólio ilegal em dois mercados. Na África do Sul, a Comissão de Concorrência sugeriu que a empresa pague até 500 milhões de rands por ano a veículos jornalísticos.
Essas movimentações internacionais fortalecem o argumento das entidades brasileiras de que é preciso agir agora para garantir a pluralidade de vozes e proteger a sustentabilidade do jornalismo profissional no ambiente digital. “É fundamental que o Cade reconheça a gravidade das práticas adotadas pelo Google”, afirmou Flávio Lara Resende, presidente da Abert.

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Caminhos para valorização do conteúdo jornalístico
Para representantes da Ajor e outras associações, o julgamento que se aproxima deve considerar o papel essencial do conteúdo jornalístico no modelo de negócios das plataformas. Eles pedem que o Cade tenha acesso a dados como tráfego, segmentação de audiência e uso de conteúdo nos rankings de busca.
“O tribunal tem a oportunidade de promover avanços na transparência das práticas de ranqueamento e valorização econômica do jornalismo”, conclui um representante da Ajor. As entidades esperam que o Cade se posicione de forma clara e efetiva diante da influência crescente das plataformas no ecossistema informacional brasileiro.
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