Make ABBA Voyage: quando o futuro sobe ao palco com botas plataforma

Enquanto reparo no impecável macacão branco de mangas bufantes da Frida (será que consigo achar algo igual em loja dos anos 70 ou só no metaverso) – o filho de uma amiga dispara: “São incríveis esses avatares!”. Espera. Avatares?

Juro que achei que eram atores. Eu não. Todos nós. Seis adultos que falam, leeem, escrevem sobre tecnologia. Que estao em Londres em um festival. Seis adultos que entre danças e gritinhos de “Mamma Mia!” – passaram metade do show  tentando decifrar o enigma – e rebolando. 

Estávamos a menos de quatro metros do palco, rodeados por um mar de gente fantasiada em puro delírio nostálgico, e ainda assim… não sabíamos. A dúvida persistia: seriam atores? Projeções? Humanos com CGI? Ou alguma entidade sueca que transcendeu o espaço-tempo? Só o ChatGPT nos deu a real: eram avatares. Ou melhor ABBAtares.

E é aí que entra o South by Southwest London 2025.

Entre ABBAtars e almas digitalizadas

Na palestra “Making ABBA Voyage” no SXSW Londres, ouvimos os bastidores do que talvez seja a façanha mais surreal do entretenimento contemporâneo: colocar no palco versões digitais hiper-realistas dos quatro membros do ABBA em seu auge dos anos 70, com direito a figurino, suor simulado e carisma renderizado.

No SXSW London 2025, o futuro do palco foi revelado: avatares, luzes e emoção em código (Imagem: Voyage ABBA/Divulgação)

“Eles queriam capturar as próprias almas”, contou um dos produtores. E sim, essa frase foi dita com seriedade. Foram cinco semanas, oito horas por dia, com Agnetha, Björn, Benny e Anni-Frid vestindo trajes de captura de movimento em frente a 160 câmeras, recriando performances com energia de quem já viveu o auge e agora brinca com ele em loop.

“Foi como arqueologia de curto prazo”, disse Ben Morris, da Industrial Light & Magic. “Tínhamos slides antigos, negativos esquecidos, rolos de filme… E reconstruímos os ABBA com base em tudo isso.”

“A arena é a casa do ABBA. Nós não criamos uma experiência imersiva. A vida é imersiva.” — Björn Ulvaeus, no SXSW London 2025

A perfeição foi obsessiva: os figurinos digitais foram criados a partir de roupas reais, costuradas à mão, com paetês aplicados um a um. Testaram os tecidos com sensores de peso e luz para que brilhassem exatamente como deveriam. Segundo os criadores, a ilusão só funciona se o detalhe mais banal – como um pedestal de microfone tremendo levemente – parecer real.

Luz como personagem, plateia como cúmplice

A integração entre o palco físico e a projeção digital é outro truque brilhante. A mesma névoa que cobre a plateia cobre os avatares. A mesma luz que ilumina você, ilumina eles. Tudo é construído para que o cérebro não encontre frestas de dúvida.

Cada detalhe conspira para que o digital pareça real — até a luz entra em cena (Imagem: ABBA Voyage/Divulgação)

“A iluminação é quase um personagem. A gente esculpe com luz.”

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Os ABBAtars são projetados em uma tela LED de altíssima definição. A renderização acontece em tempo real, com simulações físicas de cabelo, tecido e movimento. E uma banda de 10 músicos de verdade toca ao vivo, dando calor humano ao show.

Quando o show é real, mas o tempo não

A arena, montada em Londres exclusivamente para esse show, é uma obra de engenharia: capacidade para 3 mil pessoas, 65 milhões de pixels, 500 refletores robóticos e um palco sem colunas, com visão 360º. A estrutura é desmontável e pode ser levada a outros países. Estima-se que o ABBA Voyage já tenha injetado mais de £1,4 bilhão na economia britânica.

ABBA
Você já dançou num show onde nem o tempo é real? (Imagem: ABBA Voyage/Divulgação)

O público? Encantado. Críticos o chamam de “triunfo tecnológico”. Fãs relatam choro, euforia, espanto. Eu vi tudo isso. E a pergunta inevitável: isso é o futuro do entretenimento?

Mortos-vivos no palco (digitais, por enquanto)

O ABBA é pioneiro, mas não está sozinho.

  • O grupo KISS anunciou que vai continuar se apresentando em forma de avatares digitais criados pela mesma ILM e pela Pophouse Entertainment, fundada por Björn do ABBA. Os shows com avatares estreiam em 2027.
  • Um concerto holográfico do Elvis Presley chamado Elvis Evolution estreia em Londres em novembro de 2024. Desenvolvido pela Layered Reality, usará IA, projeções holográficas e arquivos restaurados: fonte

Enquanto isso, a família digital cresce. Hatsune Miku já canta em estádios no Japão desde 2010. Travis Scott e Marshmello fizeram shows para milhões dentro de Fortnite. E artistas gerados por IA começam a ocupar playlists.

A pergunta que flutua no ar

Ver o ABBA Voyage é testemunhar o tempo se dobrando. Estamos diante de um novo gênero de show? Com certeza. Temos milhares de pessoas endeusando e batendo palma para uma gravação? Os avatares geram emoção?  E o que acontece quando esses corpos digitais começarem a cantar músicas novas, compostas por inteligências artificiais, sobre saudades que nunca sentiram de amores que nunca viveram?

ABBA Voyage: o passado em loop, o futuro cantando emoções que nunca viveu. (Imagem: ABBA Voyage/Divulgação)

Naquela noite em Londres, a Frida virtual cantava “The Winner Takes It All”. E uma amiga minha chorava. Uma lágrima caiu, não tanto pela minha emoção saudosista de um tempo que nem cheguei a viver tanto assim, mas pela catarse coletiva que presenciei. Talvez o show seja feito de pixels. Mas o que ele toca em nós é pura carne.

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