No final de 2011, enquanto a engenharia genética ainda engatinhava, um grupo de cientistas deu um passo ousado: criou gatos que brilhavam no escuro como parte de uma missão para deter a AIDS felina. Os pesquisadores buscavam novas formas de combater os vírus da imunodeficiência, tanto em felinos quanto em humanos, quando chegaram a esse luminoso resultado.
O composto que fez os gatos brilharem é uma versão da proteína verde-fluorescente (GFP), geralmente encontrada na Água-Viva-Cristal-Real (Aequorea victoria), moradora das águas rasas do Pacífico Norte. Essa substância transforma células comuns em faróis biológicos, capazes de brilhar no escuro.
Segundo a Smithsonian Magazine, a GFP é uma marcadora perfeita para a edição genética, porque pesquisadores podem facilmente ver se o processo foi bem-sucedido. Desde a sua descoberta, cientistas já fizeram diversos animais brilhantes, como porcos, ratos, cachorros e até peixes de estimação. Até que, nesse ousado experimento, havia chegado a vez dos gatos.
Publicado na Nature Methods em setembro daquele ano, o estudo revelou a inserção de genes como estratégia para combater o vírus da imunodeficiência felina (FIV), que provoca AIDS em gatos, assim como o HIV em humanos. Ambos esgotam as células T, enfraquecendo o sistema imune e deixando o corpo exposto a infecções.
“Um dos melhores aspectos dessa pesquisa biomédica é que ela visa beneficiar a saúde humana e felina. Ela pode ajudar tanto os gatos quanto as pessoas”, disse Eric Poeschla, médico, biólogo molecular e líder do estudo internacional, em um comunicado da época.
Filhotes também brilharam
Durante o experimento, a equipe de pesquisadores da Mayo Clinic, organização responsável pelo estudo, inseriu nos óvulos não fertilizados de uma felina dois genes: a marcadora fluorescente GFP e um gene de macaco-rhesus (Macaca mulatta) capaz de bloquear o FIV.
O experimento produziu filhotes felinos que emitiam um brilho verde-fluorescente, prova viva da incorporação bem-sucedida do gene anti-FIV. Essa fascinante característica também se manteve nas crias posteriores, com uma nova ninhada exibindo tanto o brilho quanto o gene protetivo.
O composto genético extraído dos macacos age como um sabotador molecular: neutraliza o FIV ao desativar sua camada protetora no momento em que o vírus tenta invadir uma célula. Testes em laboratório já haviam comprovado sua eficácia em culturas celulares e, a partir disso, os cientistas decidiram determinar se ele era também eficiente em seres vivos.
Poeschla e sua equipe não só pretendiam criar uma técnica para proteger o gato doméstico contra a FIV. Mais do que isso, buscavam uma forma de defender qualquer espécie, inclusive os humanos, contra seu próprio vírus da AIDs, segundo relatou no LiveScience.

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O legado de um experimento brilhante
Após sua publicação, o estudo teve repercussão mundial. A imagem dos gatinhos brilhando em verde correu os jornais, sites e redes sociais, misturando fascínio, surpresa e até certa incredulidade.
Mas o brilho era só o começo. O que os pesquisadores da Mayo Clinic estavam fazendo era demonstrar que é possível manipular o genoma de mamíferos de forma precisa, eficiente e com objetivos terapêuticos reais. Em vez de apenas “ligar ou desligar” genes, a técnica permitia inserir mecanismos de defesa diretamente no DNA — algo que hoje está na base de terapias genéticas experimentais contra o HIV humano.
Mesmo com o brilhante resultado, a técnica não virou tratamento oficial — e nem era esse o plano. Mas como primeiro passo, o experimento foi brilhante, em todos os sentidos. Ele mostrou que é possível “hackear” o código genético para compreender e talvez curar doenças que há décadas desafiam a humanidade.
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