Pesquisadores do mundo todo buscam formas de traduzir o que os animais sentem ou “falam”. Dois recentes artigos científicos, por exemplo, focam este trabalho em nossos parentes mais próximos: chimpanzés e bonobos.
Estes estudos apontam que os primatas combinam vocalizações de maneiras que sugerem uma capacidade de composição, uma característica fundamental da linguagem humana. Mas seria isso, de fato, possível?
Animais não conseguem criar novos significados para a linguagem
- Em termos simples, a composição é a capacidade de combinar palavras e frases em expressões complexas, em que o significado geral deriva dos significados das partes e de sua ordem.
- É o que permite que um conjunto finito de palavras gere uma gama infinita de significados.
- A ideia de que os primatas podem fazer algo semelhante foi apresentada como um possível avanço, sugerindo que as raízes da linguagem podem estar mais profundas em nosso passado evolutivo do que pensávamos.
- Mas há um problema: a combinação de elementos não é suficiente.
- Um aspecto fundamental da composição na linguagem humana é que ela é produtiva.
- Não nos limitamos a reutilizar um conjunto fixo de combinações, e sim geramos novas combinações, sem esforço.
- Essa criatividade flexível dá à linguagem seu vasto poder de expressão.
- E ninguém observou animais criando novos significados de maneira produtiva e aberta, segundo artigo publicado no portal The Conversation pelos professores Anna Jon-And, da Stockholm University, e Johan Lind, da Linköping University.
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Hipótese da sequência
Os pesquisadores explicam que, em vez de buscar a gramática nos animais, uma abordagem mais fundamental pergunta qual diferença cognitiva pode explicar a diferença que observamos entre os seres humanos e outros animais. Uma dessas ideias é a hipótese da sequência, que propõe que os seres humanos têm uma capacidade única de reconhecer e lembrar a ordem sequencial exata de eventos ou elementos – inclusive palavras na linguagem.
Estudos realizados nos últimos anos fornecem fortes evidências de que os animais não humanos, inclusive nossos parentes mais próximos, representam a ordem apenas de forma aproximada. Por exemplo, experimentos recentes com bonobos, incluindo o mundialmente famoso Kanzi, mostram que, em 2.400 tentativas, esses macacos não aprenderam a distinguir uma sequência de amarelo e azul de uma sequência de azul e amarelo em uma tela. Os seres humanos, por outro lado, percebem instantaneamente essa diferença. Essa capacidade nos permite entender expressões linguísticas de composição desconhecida, uma mudança na sequência que inverte totalmente o significado.
Artigo publicado no The Conversation

O reconhecimento e a memorização de sequências podem permitir não apenas distinguir expressões curtas, mas também extrair as estruturas hierárquicas e categorias gramaticais que permitem a composição aberta da entrada linguística durante o aprendizado. Esse tipo de precisão mental não fortalece apenas a linguagem. Ele muda a forma como vemos o mundo, dividindo a experiência em situações muito mais distintas. Mas um mundo mais rico também é mais complexo de aprender, pois o número de combinações possíveis aumenta muito.
Isso pode ter resultado na coevolução das capacidades mentais humanas e em nossa infância excepcionalmente longa. Os custos de aprendizado que acompanham a memória de sequência podem explicar por que nenhum outro animal seguiu esse caminho. Isso não significa excluir completamente todas as outras espécies. As semelhanças observadas entre os neandertais e nossa cultura pré-histórica implicam que os dois grupos eram mentalmente muito parecidos. Não podemos excluir que as habilidades culturais e linguísticas tenham evoluído antes do ancestral comum dos humanos modernos e dos neandertais, há mais de meio milhão de anos.
Artigo publicado no The Conversation

Os especialistas apontam que, se a hipótese da sequência estiver correta, então gramática, planejamento e pensamento abstrato em animais não humanos estão sendo frequentemente inferidos a partir de comportamentos que podem ser explicados por mecanismos de aprendizagem mais simples e bem estudados. Dessa forma, um bonobo que combina gestos ou um pássaro que canta uma sequência de chamados refletem um aprendizado inteligente e instinto, mas não um verdadeiro significado composicional.
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